PHA: Ele (o ”Senhor X”) se chama Narciso Mendes, não é isso?
Palmério: Isso, chama-se Narciso Mendes.
É um potiguar; passou por Belém; casou com uma moça chamada Célia; foi viver no Acre e fez a vida lá.
Foi deputado na Constituinte, depois não se reelegeu, mas a mulher dele se elegeu. Daí ele tinha acesso livre ao Congresso.
Como
é um cara muito simpático, despachado, desempenado, ele foi procurado
pelo repórter Fernando Rodrigues, da Folha (*), que através de uma
intermediação feita pelo Carlos Aírton – outro deputado da época (também
do estado do Acre) – Narciso começou a gravar com um gravadorzinho
pequenino, que o Fernando Rodrigues tinha, japonês.
Nem precisava perguntar, as pessoas já chegavam contando tudo.
Isso dessa porção acreana da compra de votos.
Agora, o Narciso é também um segredo de polichinelo, né?
PHA: Por quê?
Palmério:
Porque todo mundo sabe que esse homem existe, que é o Narciso Mendes, e
ninguém se ocupou, ninguém quis ouvi-lo; chegar lá e dizer: “então, o
senhor é o ”Senhor X”, vamos conversar”.
PHA: E o Fernando Rodrigues reproduziu as gravações na Folha…
Palmério:
O Fernando Rodrigues reproduziu, essa matéria teve grande repercussão, o
Fernando Rodrigues na época foi capa na revista Caros Amigos. Aliás, a
capa foi o próprio gravador que ele usou nas gravações com o ”Senhor X”.
Pena
que tenha chegado dez dias depois de a CNBB (Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil) – que naquela época era a CNBB de guerra – denunciar
que havia um esquema de compra de votos. Algum tempo depois, veio a
matéria (da Folha).
PHA: Então, o Narciso
Mendes gravou, passou a gravação ao Fernando Rodrigues, que transcrevia a
gravação e sempre se referia a ele, Narciso, como ”Senhor X”?
Palmério: Sempre se referia a ele como ”Senhor X”, e assim ele apareceu na capa de Caros Amigos.
PHA: Por que o ”Senhor X”, que era um segredo de polichinelo, resolveu sair da toca e se identificar agora ?
Palmério: Ele passou por maus bocados de saúde e achou que tinha de contar essa história antes de morrer.
Mas, o fato é que ele está muito longe disso, ele tem saúde para dar e vender e, seguramente, vai viver mais do que eu.
Ele
tem um cemitério lá, né? Ele me levou para conhecer o cemitério e eu me
candidatei a uma vaga para quando eles implementarem a cremação.
PHA:
Você diz que as gravações se referem à compra de votos para a reeleição
de Fernando Henrique na bancada do Acre. Quanto se pagava por deputado
na bancada do Acre?
Palmério: Pagava 200 mil reais. Era um esquema dos tempos dos coronéis, pagava-se em cheque.
Era uma espécie de pré-pago. Depois (de votar) eles trocariam o cheque.
Mas,
ai, alguém os advertiu: cheque, né? É como alguém dar um cheque para um
traficante – não estou comparando os deputados com os traficantes, mas é
por ai.
Ai alguém falou: “é melhor pagar em dinheiro”. Ai
passaram a fazer o pagamento em dinheiro, os deputados saiam com sacolas
de dinheiro.
PHA: E quem é que comprava?
Palmério:
Nessa operação, no caso do Acre, o Amazonino Mendes, então governador
do Amazonas; o Orlei Cameli, do Acre, e outros que eu não sei.
Mas, o Acre é apenas uma ponta, como o Pedro Simon deixa claro.
PHA:
O seu livro fala que, nas conversas (gravadas) aparecia claramente,
como última instância do processo, o Sérgio Motta, ministro das
Comunicações do Fernando Henrique.
Palmério: Isso. Aparece na época claramente nos jornais. Publicaram o envolvimento dele, as acusações contra ele.
E
depois, o Fernando Henrique, sem citar o nome de Narciso Mendes, fala
desse episódio no livro ”Arte da Política” – um catatau de umas
setecentas páginas, naquele estilo gorduroso de que você fala, né?
PHA: Isso, cheio de colesterol…
Palmério: Cheio de colesterol!
O
fato é que é segredo de polichinelo, Paulo, porque todo mundo sabia
quem era a peça, quem era a figura, quem fez as gravações. A certa
altura do livro, o Fernando Henrique, sem citá-lo, começa a falar dele,
começa a desqualificá-lo.
Mas, o fato é que falaram em CPI nessa
época, e não houve CPI. A Comissão de Constituição e Justiça ouviu
alguns deputados – como você sabe, dois deputados acreanos renunciaram
logo em seguida, sobre pressão.
Muito bem, o fato que é que
quando se falava em ”Senhor X”, ninguém quis ouvi-lo, nem CPI nem a
Comissão de Constituição e Justiça.
PHA: Então
são 200 mil em dinheiro, para a bancada do Acre. O Pedro Simon calcula
que tenham sido comprados 150 deputados. Então é 200 mil, vezes, 150,
não é isso? E em dinheiro vivo!
Palmério: Em dinheiro vivo! Bufunfa; massaranduba; e em sacolas.
E eu acredito que os comprados do “sul maravilha” não se venderam por 200 mil reais.
PHA: Então deve ter sido mais ? Mais de 30 milhões de reais ?
Palmério: Eu acho que sim, acho que sim.
O
problema do tucanato é o seguinte: eu até te perguntei de quanto
deveria ter sido a roubalheira e você não consegue mensurar. Eu acho que
nem um computador de última geração desses da NASA consegue mensurar a
escala de roubo quando você fala de tucanato.
PHA: Agora tem esse negócio de Trensalão.
Palmério: É, não dá pra você calcular…
PHA:
Palmério, o Fernando Henrique já se referiu a esse episódio dizendo que
ele e o PSDB não precisavam comprar ninguém, porque a maioria absoluta
era a favor da reeleição. No seu livro, o Narciso Mendes contesta esse
argumento. Como é que o Narciso contesta isso?
Palmério: Ele diz que, por exemplo, o Orlei Cameli não se candidatou à reeleição.
Já
começa por ai. No caso acreano, o governador não se candidatou à
reeleição. Ele desmonta a tese do Fernando Henrique com esse simples
fato.
PHA: Outro argumento do Fernando Henrique
é que ele não precisava (buscar a reeleição), mas quem precisava eram
os governadores, que estavam tão interessados na reeleição quanto ele.
Porque se beneficiariam. Então, pelo mesmo raciocínio do Cameli, você
desmonta esse argumento.
Palmério: Claro, Claro, sem a menor dúvida.
Então,
você vê o esforço que foi feito para ele ( Narciso) não ser ouvido.
Como se passam 13 anos e esse cara nunca foi procurado para falar ?
Nunca.
PHA: Você acredita que o Luís Eduardo
Magalhães – você cita ele no seu livro como presidente da Câmara –
interveio nesse processo bombardeando a ideia de uma CPI, é isso?
Palmério: Sim, sim, foi criado ali um bloqueio total.
Era o bate-bola permanente entre os dois, os dois que faleceram, o Luís Eduardo e o Serjão.
O Serjão era o grande operador, ele e seu projeto de 20 anos (de tucanos no poder).
PHA:
Você reproduz no livro uma frase muito interessante do Serjão: “95% das
coisas que eu digo foi o Fernando Henrique quem falou; os os outros 5% é
o que ele pensa e não diz”.
Palmério: Ou seja, é impossível, que o Fernando Henrique não soubesse do que estava rolando nos bastidores.
O desconforto com o qual ele fala disso no livro é a maior bandeira.
PHA:
O livro “Príncipe da Privataria” é, na verdade, um perfil muito rico,
muito detalhado, uma pesquisa minuciosa feita por você e pela sua
equipe, e que trata de muitos assuntos.
Trata da Privataria de
uma forma geral; trata de outros tipos de financiamento da campanha do
Fernando Henrique, como a ligação dele com o então presidente do Banco
Bamerindus (Andrade Vieira); trata do processo vil que foi a venda da
Vale do Rio Doce.
Tem um episódio muito importante narrado pelo
delegado Protógenes Queiroz, que é uma ligação muito mal explicada pelo
Fernando Henrique – a relação dele com títulos da dívida externa
brasileira em posse do banco francês Paribas.
Palmério: De quando ele era ministro da Fazenda e o Armínio Fraga era o homem do Banco Central.
PHA:
Tem um componente importante desse seu livro que é a cumplicidade da
imprensa brasileira no episódio do filho que o Fernando Henrique Cardoso
pensou por muito tempo ter tido com uma jornalista da TV Globo.
Qual
é a relação desse episódio com a TV Globo? Como que a Globo participa
desse processo de acobertar um fato público, que é o presidente da
República ter um filho, ou supor ter um filho, com uma jornalista de
vídeo, da emissora de televisão mais vista do país.
Onde se
casam – sem trocadilhos – Fernando Henrique Cardoso e a Globo nesse caso
do filho que ele reconheceu e que, na verdade, não era dele.
Palmério:
É o Proer da imprensa, eis aí uma tese de doutorado, Paulo Henrique. A
figura central da TV Globo nesse caso é o Alberico Souza Cruz – que
tomou o lugar do Armando Nogueira depois que manipulou aquele debate
Lula x Collor.
Então, ele passou a circular com desenvoltura por Brasília.
Ele
era amigo da Míriam Dutra (jornalista que teve o suposto filho de FHC) –
ela era subordinada dele, né? – e era muito amiga da Rita Camata
(ex-deputada federal), que, por coincidência, começou a aparecer em
todos os espaços (da Globo), especialmente no Jornal Nacional.
Ele (Alberico) era um dos bombeiros. O outro era o José Serra, o planejador; e o Serjão, o operador.
Foram
eles que operaram a transferência da Míriam para SIC, (Sociedade
Independente de Comunicação), em Portugal (associada à Globo).
Não à toa: o Alberico é padrinho do Tomás (suposto filho de FHC).
PHA: Então, o Alberico remove a Míriam para Lisboa e apadrinha o menino?
Palmério: Apadrinha o menino, depois ela é transferido para Barcelona.
Agora, como houve o Proer dos bancos houve um Proer da imprensa.
Um
dinheiro oficial, e até mesmo privado, em uma quantidade imensa,
incalculável, para comprar o silêncio da mídia sobre o filho de Míriam
Dutra, o “bolsa pimpolho”, como muitos denominaram.
Eu acho que
todos os veículos de comunicação investigaram o caso, mas não
publicaram. Alegaram que era para ter e usar apenas se o concorrente
furasse; matéria de gaveta, como se diz.
Isso lembra um arsenal
dissuasório, como se diz: ”olha, há bombas nucleares suficientes para
destruir o planeta ‘N’ vezes, mas não é para usar, é para ter”. Então a
chantagem campeia pela imprensa, né?
PHA: Na verdade, o que eu chamo de PIG, aqui, no nosso site, não chegou a usar essa bomba.
Palmério:
Não, não usou. E depois na matéria da Caros Amigos nós ouvimos, um a
um, os diretores de redação de jornais e revistas da época.
PHA:
E isso está no livro também. Palmério, só para concluir: depois de
muito tempo, ficou confirmado que o filho que o Fernando Henrique
supunha ter não era dele, era de outra pessoa.
E tem no livro – e
é evidentemente que não podemos revelar aqui – uma cena de comédia
italiana, que é o diálogo de Fernando Henrique e Míriam Dutra depois que
ficou comprovado que o filho não era dele.
Palmério: É, um amigo meu disse que deu uma estrondosa gargalhada com o fim do livro.
Agora eu só queria dizer uma coisa para você, Paulo Henrique, esse é um bom livro para ler na Semana da Pátria, não é?
Palmério: Exatamente, Exatamente…
PHA:
Parabéns, Palmério, depois de desmontar o pessoal do ”Honoráveis
Bandidos”, do José Sarney – quantos livros já vendeu o José Sarney?
Palmério:
O Zé Sarney já vendeu cerca de 130 mil livros. Mas, a turma do Zé
Sarney, perto dessa turma do Fernando Henrique, não passa de amadores. É
outra escala.
PHA: Os ”Honoráveis Bandidos” são amadores…
Palmério: É, é outra escala, outra escala…